quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Acento

Pobre do homem que não sabia acentuar
No banheiro, fazia coco
E na praia, bebia cocô



Meu primeiro poema... Quanto emoção!

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Princesinha do mar

Girou as rodas de sua cadeira, passando pela portada do hotel e atingindo a rua. Já era noite. O céu, pouco estrelado, maquiava-se com dispersas nuvens cinzentas. Jogou a cabeça para trás e respirou fundo, sentindo a brisa do mar bater em seus cachos avermelhados, balançando-os feito molas. Colocando força nos braços, adiantou mais ainda sua cadeira de rodas e, à luz dos refletores, observou a imensidão azul. Na areia, um grupo de negrinhos jogava o futebol e, na calçada com ondas em preto e branco cuidadosamente cravadas estavam as barracas. Ali era Copacabana. A orla estendia-se ao infinito e, diante dele, materializava-se a imagem do paraíso. Fechando os olhos, ouviu o barulho dos carros passando à toda velocidade na sua frente e sorriu. Aquele som, tipicamente urbano, lembrava-lhe sua infância em Dorchester, subúrbio de Boston. Lembrava-lhe a inocência de um sonho néscio. Lembrava-lhe as anedotas dos outros meninos em relação a sua deficiência. Deu uma risada sonora ao lembrar-se de seu tio Teddy. Robusto, barbudo, olhos claros como os de um gato sorrateiro. Tinha dez anos quando seu tio o perguntara o que pretendia ser quando adulto. Ele, tolamente, respondera: “Quero ser um super-herói.”. Sua memória, arguta, ainda se recordava, em detalhes, da expressão do tio ante a resposta: Franzira o cenho e estalara os dedos, como de costume. Temperara a garganta e agachara-se para ficar à sua altura e então, sem ter o que dizer, sorrira. Um sorriso de dúvida. De piedade...
Ele lera em algum lugar que “o homem nunca será feliz, pois sempre busca algo que não pode alcançar. Se o consegue, logo tem seu desejo modificado para outro algo então inalcançável”. Enfim, não estava tão errado, pois, assim como era natural que o mudo desejasse em falar, lhe parecia instintivo que ele, entrevado naquela maldita cadeira metálica desde que nascera, almejasse, por um instante, voar livre como os pássaros e, se possível, salvar vidas como um herói das histórias em quadrinhos que lia com tanto afinco e torpor.Recuperando-se das garras de seu pensamento, abriu os olhos e arqueou as sobrancelhas, observando os passantes. Namorados apaixonados, bêbados comemorando o nada, idosos apreciando, talvez pela centésima vez, uma noite no Rio de Janeiro. Tornando a cabeça para trás, observou a imponente estrutura de seu hotel. A extensa fachada branca ocupando metade do quarteirão, a porta imponente decorada com detalhes fitamórficos, e, no centro, em letras douradas, o nome: Copacabana Palace Hotel. Respirou fundo novamente, sentindo a corrente de ar e agradecendo aos céus aquela momentânea solidão. Há poucas horas atrás, estava lá dentro do hotel, no grande salão, tirando fotos e conversando com fãs sobre o lançamento de seu mais novo livro em quadrinhos.
Gargalhou novamente repensando o quão irônica era a vida. Através de sua imaginação, escrevera livros de super-heróis de considerável sucesso e tornara-se, então, um famoso escritor. Sua criatividade fora avivada o bastante para retratar no papel o que aspirava realizar fisicamente. Pois, apesar de tudo, ele ainda sentia, em seu âmago, uma pontada de sua vontade infantil. Não era completamente feliz... Mesmo no auge de sua carreira e de seus quarenta anos, ainda ambicionava ser o herói de alguém como nos sonhos de outrora... Nem que fosse por alguns segundos fúteis... Nem que fosse para um fútil alguém...
“Hi” – disse uma menina que se aproximara dele – “English speak?”
O escritor abriu os olhos e examinou-a. Ele a vira, pouco antes, encostada no capô de um carro, passando um batom vermelho diante de um espelhinho. Parecia ter uns treze anos. Vestia uma saia curta deixando a calcinha à mostra. Usava um “tomara que caia” dourado e brilhante. O rosto, infantil, fora manchado por um lápis preto sobre os olhos perdidos e um batom extravagante nos lábios finos.
“Fuck?” – perguntou a menina observando o homem estudar seu corpo e arrebitando a bunda.
O homem abriu os olhos, observando a criança. Sentiu a mão infantil passear em suas costas.
“How old are you?” – perguntou, sem entender.
A prostituta pareceu confusa e murmurou a mentira:
“Dezoito. Posso fazer isso, tá? Speak portuguese?”
“No” – respondeu, agitando os braços.
“Ô gringo, eu vi que tu tava me olhando e vim aqui pra ver se rola. Bora logo!” – disse, sem paciência.
Empinou a bunda novamente e disse:
“E então, fuck?”
O escritor ficou mudo em sua cadeira. Observando a criança.
“Trinta pilas. Thirty... Entende? Thirty reais!” – explicou, fazendo um 3 e um 0 com as mãos.O homem anuiu, sorrindo. Segurou a mão da menina e deslizou-a pelo seu rosto com a barba por fazer.
“Gringo safado! Eu sabia!” – disse, posicionando-se detrás da cadeira e empurrando-o por uma rua escura. Entraram por uma portinhola com uma placa onde estava escrito em letras reluzentes “Motel” e, sem esperar, arranjaram um quarto do primeiro andar.
Girando as rodas freneticamente, aproximou-se da cama e jogou-se no colchão. Observou a menina rebolar diante de seus olhos e, lentamente, despir sua escassa vestimenta. Primeiro, tirou a blusa revelando a pele amorenada, queimada pelo sol. Alisou os seios ainda em formação e fez expressão de desejo.
“You to the States” – disse o escritor apontando para a prostituta.
“Você? Me levar pro estrangeiro?” – perguntou a criança desconcertando-se, por um segundo, de sua dança sensual.
“With me. To the States.” – repetiu, chamando a prostituta para a cama.
A menina aproximou-se, atônita, de seu cliente já desnudo. Olhos arregalados como uma criança que acaba de ganhar bombons. A seriedade adulta rendendo-se à crendice infantil.
“Está falando sério? Vai mesmo me tirar disso aqui?” – perguntou, sorrindo.
“What?”
“Me and you” – disse ela usando o inglês que aprendera com outros clientes – “To the States. Family?”
“Yeah! A family. You will be my wife and we’ll be happy together!” – respondeu, descendo a mão pela barriga da menina.
A criança alegre, vislumbrou seu futuro promissor enquanto posicionava-se sobre o cliente. Fechou os olhos e, durante todo o ato carnal, imaginou como poderia ser feliz com aquele homem. Pouco importava que ele parecesse seu pai. Pouco importava que ela tivesse apenas catorze anos. O que importava é que, naquele branquelo de cabelos ruivos gritando de prazer, estava sua chance de uma vida melhor.
Alimentada pelas palavras incompreensíveis de seu cliente, a prostituta transou enquanto sua mente passeava no paraíso entre carros de marca e roupas de grife. Por fim, adormeceram. Nus, sobre o lençol branco do motel. Como um pai que põe a filha para ninar.
Ao acordar, o escritor observou a menina ao seu lado. O corpo moreno contrastando com o lençol. Os cabelos castanhos escondendo os olhos. O sorriso no rosto materializando a sensação do sonho. Sonho que ele ajudara a construir por palavras sussurradas ao seu ouvido... Enquanto vestia sua calça, sorriu satisfeito. Dera para aquela prostituta a oportunidade de sonhar. De sentir, mesmo que na imaginação, o fim daquela podridão profissional. Por alguns instantes, fora para ela um verdadeiro ídolo, um Deus, uma saída, um super-herói... De uma forma ou de outra, limpara a mente daquela criança por uma noite e aguçara seus desejos, sua vontade de mudar e vencer! É isso que os super-heróis fazem, não? Modificam um simples momento de nossas vidas e nos ensinam uma lição eterna para vivê-la...Pouco importava que fosse mentira. Pouco importava se amanhã ela estivesse fazendo ponto no mesmo local. Pouco importava se, no final, tudo o que ela encontrasse fossem os trinta reais combinados na mesinha de cabeceira...

FIM

Ensaio sobre o papel “higiênico”

Caro leitor, o ensaio escrito abaixo deve ser encarado com toda a seriedade a que se propõe. Em sua redação, busquei me utilizar de princípios básicos da lógica de modo que o entendimento da explanação seja fácil para todas as faixas etárias e cores de cabelo. Além disso, fiz uso de acessórios básicos do discurso, como a exemplificação e a comparação (ou símile). O assunto a ser tratado é, indubitavelmente, de interesse mundial e, posso apostar, mudará seu modo de ver o mundo após essa leitura. Por versar sobre um hábito escatológico diário do ser humano (excluindo as variantes da prisão de ventre e diarréia), você, leitor, identificar-se-á com o tema proposto e, de certa forma, desejará intervir ativamente para que a situação que lhe revelarei seja imediatamente modificada. Fosse eu um publicitário, faria um outdoor grifando a questão, fosse eu um político, aproveitaria o horário eleitoral para tratar desse tema (sem dúvida, mais sério), mas sou apenas um escritor e, como tal, resolvi redigir esse texto.
Finalmente, para evitar futuras inimizades, recomendo que o senhor leitor não vá ao parágrafo seguinte caso esteja comendo ou pensando em realizar, em breve, alguma refeição.
Como é sabido, o papel higiênico é um dos principais pilares na higiene humana, sendo um instrumento de uso puramente pessoal, já que alcança lugares nunca alcançados por outrém (assim espero). Sendo um aparato que abrange um leque de opções de uso, reter-me-ei em sua utilização mais singular e escatológica: a limpeza do ânus após o chamado, simpática e algebricamente, de número 2.
Após uma extensa e cuidadosa pesquisa bibliográfica (www.wikipedia.com), descobri que existe um mistério em relação à criação de tal objeto que defino, sem exageros, como o considerado melhor amigo do homem desde a extinção do bidê. Enquanto alguns defendem que foi criado pelos chineses no ano 875, outros atribuem o feito ao nova-iorquino Joseph Gayetty no ano de 1857. Pouco importa, na verdade. O que vale mesmo é saber que tal descoberta substituiu as folhas de alface e sabugos de milho antes utilizados, diminuindo não só a fome mundial como também o mercado consumidor de Hipoglós.
Apesar dessa paixão massiva por tal artefato, meus esforçados estudos em Física e Química levaram a uma revelação bombástica: O papel higiênico não é nem um pouco higiênico! Não ouso pensar que apenas eu, humilde escritor, tenha chegado a tal conclusão. No entanto, é importante grifar que a divulgação de tal descoberta prejudicaria não só as grandes indústrias desse produto como também as grandes empresas publicitárias, supermercados e vendinhas. Sendo assim, afirmo, sem medo, que, talvez, seja este o primeiro e último ensaio que farei em minha insignificante vida. Caso me encontrem morto no quarto, pendurado pelo pescoço simulando suicídio, saibam que fui assassinado. Terei morrido para defender algo em que acredito!
Aproveitando que meu coração ainda bate, continuarei o ensaio: Visando evitar mal estar e vômito durante a leitura desse texto, utilizar-me-ei de uma analogia para demonstrar a situação-problema:
Imagine, senhor leitor, um sanduíche. Não daqueles saborosos e fartos do Mac Donald’s, mas um singelo. Duas fatias de pão de fôrma e uma grossa camada de manteiga. Imaginou? Pois bem... Agora pense que você tem um pedaço de papel higiênico em mãos e, com ele, deverá retirar toda (eu disse TODA) a manteiga entre aqueles pães. Nesse contexto, é importante lembrar que é proibido separar bruscamente as duas fatias, podendo fazer apenas uma aberturazinha para facilitar a “limpeza”. Assim sendo, eu pergunto: Você conseguiria remover a manteiga? (Caso sua imaginação tenha encontrado limites no experimento, peço que tente fazer isso em casa. Não perderá muito tempo). Tenho certeza, a sua resposta é não. Não, leitor! Você não conseguirá remover a manteiga depositada entre as duas fatias de pão! No máximo, a passada do papel higiênico irá espalhar ainda mais a manteiga, retirando o excesso e deixando um maldito restinho grudado por lá... Entende aonde eu quero chegar? Como uma espátula macia, o papel higiênico retira o excesso, mas lambuza o restante... (Caso não tenha entendido, leve o texto à sua professora).
Fazendo uma rápida comparação e colocando o papel em seu verdadeiro papel (sem trocadilhos), você, leitor, chegará a uma conclusão nada satisfatória, porém real: o papel higiênico é mais um produto de sucesso desse capitalismo selvagem que nos consome e nos mantém sujos! Sim, esse rolo que você guarda com tanto carinho no armário, pseudo-macio e com cheiro de rosas, é, na verdade, uma farsa! Assassinaram o bidê, condenaram o banho após a evacuação... Tudo para quê? Para que o papel higiênico reinasse soberano!
Você pode achar que isso tudo é besteira e sou apenas mais um alienado que não conseguiu entrar pro BBB. Mas não. Eu falo sério. Como consolo, só me resta a certeza de que, da próxima vez que for ao banheiro, você irá hesitar antes de se lambuzar todo.

FIM

sábado, 22 de dezembro de 2007

O Advogado Mirim (Especial de Natal)

“Querido Papai Noel”
“Querido Papai Noel” – repetiu a mãe enquanto anotava numa folha de caderno, a cartinha que seu filho deixaria para o Papai Noel.
“Eu me comportei bem esse ano e por isso gostaria de te pedir um presente.” – ditou o pequeno observando a mãe escrever freneticamente sua cartinha. – “Gostaria muito mesmo de ganhar esse presente.”
“De ganhar esse presente” – repetiu a mãe, baixinho, enquanto terminava a frase. – “Agora diga qual é o presente.”
“O que eu quero é um castelo HipermaxTurbo da Estrela... Ah sim, antes tem que dizer o preço” – lembrou o menino.
“Não precisa dizer o preço do brinquedo, Douglas Alberto” – explicou a mãe, com paciência.
“Precisa sim. Antes de dizer o presente, eu digo logo o preço para o Papai Noel não errar na hora de comprar...” – informou o menino com ares de sabido.
“Papai Noel não compra os presentes. Ele os fabrica. Ele e seus pequenos duendes ajudantes possuem uma fábrica onde eles fabricam todos os brinquedos pedidos.” – contou a mãe.
“Mas o meu brinquedo é da “Estrela”. Um castelo da Estrela e um castelo da fábrica do Papai Noel são diferentes!” – falou revoltado.
“Não são não” – respondeu a mãe confusa com a destreza do pequeno Douglas Alberto – “Papai Noel faz os brinquedos exatamente iguais aos originais. Pode confiar.”
“Mas isso não é crime? Eu li que copiar qualquer coisa dos outros é crime.” – retrucou o menino.
“É... É crime” – concordou a mãe, confusa. Não deixaria mais o pequeno Douglas Alberto ficar lendo seus livros de Direito, afinal, dava nisso. Uma criança de dez anos sabendo a Constituição na cabeça!
“Então Papai Noel é criminoso?” – perguntou.
“Não” – disse rapidamente – “De maneira alguma! A... A... A justiça permitiu ao Papai Noel produzir brinquedos idênticos... Apenas nessa época do ano.” – terminou, aliviada.
“Então ele produz todos os brinquedos para todas as crianças do mundo em menos de cinco dias?” – perguntou assustado.
“Sim... Não... Quer dizer, produz sim.” – decidiu-se a mãe, ainda mais confusa.
“Como ele faz isso?” – perguntou o moleque.
“Ora, já disse que ele recebe a ajuda dos duendes. Papai Noel e os duendes trabalham dia e noite na véspera do Natal para fazer os presentes.” – informou, satisfeita.
“Peraí” – interpelou o menino, pensativo – “Segundo a legislação, não é permitida uma carga horária de trabalho tão longa assim. Trabalhar dia e noite é crime!”
“Onde você viu isso, Douglas Alberto?” – perguntou a mãe horrorizada.
“Na CLT. Lá diz que o trabalhador pode trabalhar, no máximo, 40 horas semanais ou 8 horas ao dia. Se os duendes trabalham 24 horas durante 5 dias, dá um total de 120 horas. Logo, constitui crime.” – terminou o menino.
“Mas Douglas Alberto, isso é a lei trabalhista” – disse a mãe – “Não se aplica aos duendes.”
“As leis se aplicam a todos” – disse o menino com seriedade.
“Sim, mas os duendes trabalham por prazer. Para eles, é muito prazeroso passar dia e noite fazendo brinquedos para as crianças.”
“Sei. Mas eles não ganham dinheiro para isso?”
“Não, é claro que não!” – disse a mãe horrorizada com a mente capitalista de seu pimpolho – “Eles fazem isso por prazer e para trazer a felicidade, não há dinheiro envolvido.”
“Então Papai Noel se utiliza do trabalho escravo dos duendes?” – perguntou o moleque.
“Não! Douglas Alberto, não diga isso!”
“Ora, se eles não recebem salário e não possuem carteira assinada, eles são escravos do Papai Noel e, com isso, comemorar o Natal é financiar o crime!”
“Não é não! E você sabe por quê?” – desafiou a mãe.
“Não” – disse o menino com ar inocente.
“Porque... Porque... Porque eles trabalham dia e noite sem receber nada, mas é lá no Pólo Norte. E, no Pólo Norte, nada disso é crime.” – terminou a mãe, aliviada.
“Ah” – disse o menino decepcionado – “Eu não conheço as leis do Pólo Norte...”
“Mas a mamãe conhece e está te dizendo que não é crime por lá.”
“Mas mesmo assim é impossível produzir tantos brinquedos em menos de uma semana. São milhões de crianças no mundo todo. E ainda tem aquelas que fazem a cartinha em cima da hora!” – desafiou.
“É... Bem, nisso a mamãe se enganou. Nem todas as crianças devem ganhar os presentes. Papai Noel deve selecionar as que vão ganhar...”
“Então quer dizer que eu posso não ganhar meu castelo HiperMaxTur...”
“Não!” – interrompeu a mãe – “Você vai ganhar!”
“Como você sabe?”
“Ora, porque você se comportou bem durante o ano. E Papai Noel presenteia os que se comportam bem...”
“Mas como ele vai saber que eu me comportei bem... Apesar de dizer na cartinha, eu posso estar mentindo!”
“Oh não, mas ele vê tudo lá de cima!” – explicou a mãe apontando para o céu.
“Mas, afinal, Papai Noel mora no Pólo Norte ou no céu?”
“Ele... Ele... Ele mora no céu e trabalha no Pólo Norte quando chega o Natal.”
“Mas se não tem dinheiro envolvido, como ele conseguiu comprar duas propriedades?”
“Ele... Ele não comprou... No céu, as casas não são compradas, mas sim cedidas. Quanto mais bonzinho você é, melhor a sua casa no céu. Mamãe já te falou sobre isso.”
“Falou sim. Então Papai Noel só dá presentes para as crianças para ser o mais bonzinho e ter a melhor casa no céu?” – perguntou desconfiado.
“Não! Ele não é um interesseiro, Douglas Alberto. Ele faz por prazer mesmo!”
“Sei” – murmurou desconfiado – “E a fábrica no Pólo Norte. Como ele comprou?”
“Ele não comprou”
“Mas no Pólo Norte as terras são compradas!” – falou, sabido.
“Sim, são compradas” – concordou a mãe, percebendo a sinuca em que se metera.
“Se ele não comprou, ele invadiu. Papai Noel é um invasor de terras?” – perguntou.
“Não. O governo do Pólo Norte cede o terreno para ele na época do Natal.” – disse a mãe.
“Mas e a energia? Para produzir tantos brinquedos é preciso energia! Se ele não tem dinheiro, como ele paga a energia elétrica, luz e tudo mais. Papai Noel faz gato*?”
“Não, ele não faz gato. A energia também é cedida.”
“Assim é mole” – disse o moleque decepcionado – “Só espero que o meu presente venha”
“Virá sim.” – disse a mãe – “Papai Noel sabe que você foi um bom menino.”
“Você disse que ele vê tudo lá de cima...”
“Sim, ele vê.”
“Mas isso é invasão de privacidade.”
“Não!”
“É sim. E mesmo que o governo deixe, eu não deixo!”
“Somos todos obrigados a deixar” – inventou a mãe – “Estava no contrato quando a mamãe comprou a casa.”
“Deveria ter algum comentário sobre isso na Constituição. E não tem.”
“É verdade”
“Mesmo assim, não quero Papai Noel me vendo tomar banho. Isso pode ser pedofilia!”
“Olha a boca! Não fale assim do Papai Noel, Douglas Alberto! Se ele te vir falando assim, é capaz de não trazer o presente!”
“Que nada, mãe! A essa hora, Papai Noel está na fábrica do Pólo Norte e não no observatório do céu...” – informou.
“Mesmo assim, se continuar assim eu não escrevo a carta! E você só sabe ler, não sabe escrever!”
“Tá bom. Eu paro” – disse o menino, sibilando um choro.
“Não chore, Douglas Alberto. Perdoa a mamãe... Ela ficou brava com você à toa... Vamos terminar a cartinha logo porque mamãe tem que sair” – incentivou.
“Tudo bem.” – disse secando o rostinho pueril – “O que eu quero é um castelo HipermaxTurbo da Estrela.”
“Já escrevi isso”
“Perceba, Papai Noel, que o que eu quero é o castelo da Estrela. Da Estrela, hein!” – grifou o menino preocupado.
“Não precisa dizer isso”
“Coloca, mãe. Coloca. Afinal, pirataria é crime tanto de quem produz quanto de quem recebe. Não quero ser um criminoso recebendo um presente falsificado.”
A mãe, cansada da discussão, escreveu.
“Acabou?”
“Não. Coloca mais duas observações, por favor.”
“Pode dizer” – falou, saturada.
“Observação um: Favor deixar o presente na porta dos fundos e não em cima da minha cama, como no último ano. Afinal, posso acusá-lo de invasão domiciliar.”
“Douglas Alberto!”
“Anota, mãe! Anota! É importante!”
“Tudo bem.”
“Observação dois: Papai Noel, se possível presenteie o Wesley com um game boy. Wesley é o filho da empregada, Nani, aqui de casa. É o quinto ano que ele pede um game boy e o senhor ainda não trouxe. Por um acaso a máquina de game boy’s quebrou?”
A mãe anotou tudo.
“Pronto. É isso” – disse satisfeito – “Pode colocar na janela”
“Certo. Agora o senhor vai dormir que já é tarde! Mamãe vai sair com o papai, mas a Nani vai estar aí. Deixa que eu ponho a carta na janela.”
A mãe dobrou a carta e guardou no bolso. Douglas Alberto observou os pais saírem, atrasados, de casa. O menino foi para o quarto e agachou-se ao lado do telefone. Tomando coragem, pegou o aparelho e discou três dígitos.
“Polícia” – disse uma voz do outro lado.
“Boa noite, gostaria de fazer uma denúncia.” – disse o pequeno Douglas Alberto, disfarçando a voz.
“Diga.”
“Armei uma emboscada aqui em casa para um criminoso altamente perigoso. O homem pratica pirataria, plágio, trabalho escravo, faz gato, invade terras e casas, além da privacidade alheia!”
“Estou anotando.”
“Ah sim, também pratica violência contra animais em extinção” – disse lembrando-se das pobres renas.
“Deus do céu!”
“Ah sim, e é um racista. É um racista descarado há, pelo menos, cinco anos.” – falou, lembrando do pobre Wesley que pedia o game boy há cinco anos e não ganhara só porque era negro.
“Muito obrigado, senhor. Por favor, diga seu nome e endereço. Tudo será mantido no mais absoluto sigilo.”
“Chamo-me Douglas Alberto. O endereço é Rua das Ferraduras, casa nove.”
“Ok. Estarei enviando uma viatura até aí.”
“Não é necessário. A emboscada não é hoje.”
“E quando é, senhor?”
“À meia-noite do dia 24 de dezembro. Ele virá pela porta dos fundos.”
“Obrigado, senhor. Tenha uma boa noite.”
Douglas Alberto desligou o telefone e foi se deitar, satisfeito. Fizera seu dever de cidadão.

FIM

sábado, 15 de dezembro de 2007

A festinha

Vem que vem que vem quicando...

O saboroso batidão invadiu o salão de festas. A pouco eficiente animadora gritou ao microfone:“Venham! Venham dançar!”. Expremendo-se na pequena multidão, Arabela tentou se aproximar da caixa de som. Sorridente, sentiu a ritmada batida do funk penetrar seus ouvidos, atiçando suas pernas a se mexer...

Até o chão... Bem gostosinho, bem gostosinho...

Sentindo que Mr.Catra cantava especialmente para ela, implorando que descesse até o chão, Arabela o fez. Dona de seus prazeres, levantou o vestidinho quadriculado e rebolou, empinando seu bumbum ainda tomando forma. “Quem dançar melhor, ganha brinde!” – incentivou a animadora. O brinde pouco importava. Importava sim, o calor do momento, a voz Pavarottiana de Mr.Catra, sua qualidade musical e, ah sim, a letra... A letra das canções... Brindando-a com o nome de sereia, potranca, égua e tudo mais que adoraria ser...

Agora o chumbo é quente...

Arabela fechou os olhos, ignorando o restante à sua volta. Tomada pelo clímax sexual, requebrava o máximo que seu corpinho agüentava. Esquecendo-se, momentaneamente, do aniversariante e de todos os familiares, Arabela dançou. Não só dançou, mas, pelos gestos e remelexos, comeu, deu, chupou, desceu, quicou, tremeu, gozou...Achava difícil que algo pudesse ser melhor do que aquilo...

Créu, Créu, Créu...

À distância, seu Agenor, o pai, olhava, orgulhoso, a filhota de seis anos dançando entre a meninada. Como tinha talento a menina... Entregava-se à música!
É uma pena que não tenha aceitado quando, dez anos depois, sua doce Arabela resolveu sair de casa e mostrar seu talento no Lounge’s Bar em shows noturnos para os gringos de Copacabana.

FIM

Em cada domingo, um conto...

Eis aqui um espaço para eu despejar todas as minhas (in)sanidades.
Só pra avisar aos navegantes, é bem provável que os contos sejam de drama e/ou comédia.
Espero que gostem e que faça sucesso, afinal foi assim que a exímia autora Bruna Surfistinha começou... Fodendo e escrevendo!

Por favor, critiquem!